RESENHA SOBRE O EPISÓDIO “QUEDA LIVRE” DA SÉRIE BLACK MIRROR.
RESENHA SOBRE O EPISÓDIO “QUEDA LIVRE” DA SÉRIE BLACK MIRROR.
por Clesia Nogueira da Silva e Erlandson Mota da Silva.
Black Mirror
É originalmente uma série de televisão britânica criada por Charlie Brooker em 2011. Após a 2° temporada, a Netflix comprou o projeto em 2015 e hoje já conta com 5 temporadas e 22 episódios.
Black Mirror é uma série de ficção científica que beira o terror, explorando as mais absurdas e desagradáveis consequências do uso e da interferência da tecnologia em uma sociedade moderna. Com episódios antológicos (independentes uns dos outros) que em sua maioria podem ultrapassar 1h de duração, se passam em mundos distópicos e/ou utópicos, dependendo do enredo.
A terceira temporada da série estreou em 21 de outubro de 2016, com o primeiro episódio intitulado “Queda livre” no qual iremos resenhar aqui. O episódio se passa em um mundo onde os status sociais são medidos através de classificações, dadas uns aos outros pelos indivíduos, através de um tipo de rede social que ultrapassa as barreiras da internet e afeta diretamente a vida desses indivíduos. A história acompanha a vida de Lacie Pound, que é uma alpinista social ou uma espécie de aspirante a influencer, obcecada em aumentar sua pontuação nesse ranking e consequentemente desfrutar de todos os privilégios concebíveis.
Resumo de “QUEDA LIVRE”
Lacie que é uma 4.2 mora com o seu irmão Ryan que é um 3.7 em uma casa confortável, mas assim como qualquer jovem na sua idade, ela quer melhorar suas condições e consequentemente sair dessa casa. Ela se preocupa muito em aumentar sua pontuação no ranking social, para conseguir alugar uma casa de luxo e melhorar sua vida.
Ao visitar o imóvel, ela é informada pela corretora de que não tem a pontuação necessária (4.5) para conseguir alugar a casa, e só ter dinheiro não é suficiente nessa realidade.
Lacie então procura uma espécie de analista/consultor de dados, que vai projetar o melhor caminho que ela pode fazer para conseguir os pontos necessários, e mesmo com muito esforço da parte dela, o tempo mínimo projetado é de 18 meses para ela conseguir os 3 pontos que precisa. Mas ela quer conseguir em menos tempo, para poder mudar de vida logo, isso vai exigir que ela corra atrás de mais avaliações de pessoas que estão no topo desse ranking, e sair mais da sua bolha atual, onde ela recebe mais avaliações de pessoas da “classe média" e consequentemente de pessoas com menos pontos, como o seu irmão (que não se preocupa tanto com esse ranking), atendentes de lojas, colegas de trabalho e vizinhos.
Ela começa interagindo tanto na rede social quanto na vida normal, com algumas pessoas bem avaliadas da elite, sendo amigável com todos, mesmo que isso signifique ser falsa e hipócrita. Até que surge uma grande oportunidade de ascender nesse meio.
Naomi que é sua grande “ex-melhor amiga” do passado, lhe convida para ser sua madrinha de casamento. Ela tem incríveis 4.8 e vive uma vida perfeita com o seu noivo, e vai pedir para que Lacie faça um lindo e emocionante discurso em seu casamento, mas que precisa passar por sua revisão e deve ser muito bem ensaiado.
Em seguida, Lacie começa seus preparativos para viajar até o casamento, e as coisas começam a dar errado quando ela está saindo de casa, em meio a uma discussão com seu irmão que vai lhe dar uma nota baixa. Ainda na calçada de casa, ela esbarra em uma mulher que tem 4.8 e que também vai lhe dar uma nota baixa. Lacie pega um táxi e vai até o aeroporto, e por uma infelicidade também recebe uma nota baixa do motorista.
Após levar tantas notas negativas em tão pouco tempo, Lacie é barrada ao tentar fazer seu check-in no aeroporto. A balconista informa que o voo dela foi cancelado, e Lacie já não tem os pontos necessários para embarcar na única opção disponível no momento.
Lacie perde o controle e o segurança lhe aplica um “bloqueio provisório" que reduz seus pontos pela metade, além de um “dano duplo” para cada nota negativa que ela receber em seguida, como medida de punição. A situação gera ainda mais notas negativas das pessoas em volta, e ela é obrigada a recorrer a um carro alugado para tentar chegar ao seu destino.
Após muito tempo de estrada, o carro de Lacie descarrega e por ser um modelo muito antigo, ela não consegue recarregar. Lhe resta ter que pedir carona na estrada, que a faz receber ainda mais notas negativas das várias pessoas que passam por ela, sem motivo algum. Até que surge Susan, uma caminhoneira com 1.4 que abandonou todo esse esquema para se dedicar a uma vida mais real.
Susan dá carona para Lacie que a princípio fica bem desconfiada, devido a nota baixa da caminhoneira, mas entende que essa é a única chance de chegar ao casamento da sua amiga. Susan conta um pouco de como seu marido veio a falecer após não conseguir tratamento para um câncer, devido a sua pontuação. Isso foi o estopim para ela tomar a decisão de sair desse sistema opressor, mesmo fazendo parte da elite.
A caminhoneira para em um posto e as duas seguem caminhos separados, agora Lacie está mais perto e só precisa de mais uma carona para chegar. Nesse meio tempo, ela recebe uma ligação furiosa de Naomi lhe desconvidando para o casamento, após ter visto o quanto Lacie decaiu nas avaliações. A noiva ainda deixa claro que o convite foi feito de forma estratégica, para que Naomi ganhasse boas avaliações com o discurso emocionado de Lacie, a “amiga de infância da classe média”. Segundo Naomi, agora com uma pontuação tão baixa assim, Lacie seria inútil ou até mesmo uma vergonha no casamento.
Isso tudo só deixa Lacie ainda mais desgovernada e louca para chegar ao casamento, e vem a passar por várias situações desgastantes até chegar lá. Alcoolizada, suja e desarrumada, ela faz o seu discurso vergonhoso e desesperador no casamento, correndo de um lado para o outro com uma faca, até ser contida por seguranças, enquanto recebe uma enxurrada de avaliações negativas que quase zera seus pontos.
Ela é presa e retiram as lentes dos seus olhos e o seu seu celular, que são parte fundamental da rede social em que essa sociedade está imersa. Lacie finalmente chega ao fundo do poço e está livre para gritar, xingar e falar tudo o que pensa, sem medo.
A tecnologia abordada no episódico e suas consequências
O episódio aborda temas como a obsessão por redes sociais e a busca incessante por validação social e uma vida perfeita. Na trama, os personagens estão quase sempre fazendo uso de smartphones, nada muito diferente do que vemos hoje em dia.
Além do celular, as pessoas desse mundo usam um tipo de lente nos olhos que possibilita que elas identifiquem o nome, a pontuação e também as redes sociais das pessoas à sua frente. Então não existe nenhum tipo de privacidade, já que todos os dados ficam abertos uns para os outros.
A ação de avaliar pode vir de qualquer tipo de interação, seja por um bom dia de um vizinho, após um bom atendimento na cafeteria, ou um colega de trabalho que oferece um lanchinho. Todas (ou quase todas) essas interações são pensadas e feitas para atrair notas, mas quase nenhum bom gesto é feito só por empatia.
Nesse ponto é possível perceber que esse sistema tem como uma de suas funções, “adestrar” os indivíduos dessa rede, afetando as relações e pressionando as pessoas a mudarem suas personalidades, para se encaixarem em um padrão de comportamento aceitável. Percebemos que boa parte das interações são forçadas ou robotizadas e ninguém fala o que realmente pensa, pois o medo de receber avaliações negativas e acabar perdendo algo, é maior. O episódio discute muito a ideia de que a ciência tecnológica pode ser usada como instrumento de opressão e controle social, já que é através dessas avaliações é que se determina quem tem acesso a certos privilégios e oportunidades nesse mundo.
Fora do mundo fictício da série, podemos enxergar muitos aspectos semelhantes, um deles é as avaliações que costumamos dar quando solicitamos um serviço, como o Uber ou algum atendimento virtual. Não costumamos pensar sobre o impacto que essas avaliações podem causar na vida da pessoa e/ou empresa que está do outro lado.
Outro aspecto semelhante é a importância que damos para as redes sociais hoje em dia, e o quanto as consumimos diariamente, principalmente com o surgimento de novas redes sociais como o Tik Tok, e isso é particularmente relevante em uma época em que as redes sociais desempenham um papel importante no nosso meio social. Não é preciso ser nenhum especialista para notar o sucesso que essas redes sociais fazem, trazendo muita informação importante e sobre o mundo todo, além de muitas vezes ser um espaço de lazer e entretenimento para as pessoas.
Mais um ponto é a quantidade de novas “celebridades” que hoje são conhecidas como “influencers” e que surgem o tempo todo, produzindo conteúdos que ditam novos padrões de vida, comportamento, opiniões, moda, cultura e até saúde. Um lifestyle registrado pelas câmeras o tempo todo, com o intuito de “monetizar” cada segundo, pois cada visualização, curtida e comentário gera “engajamento” e principalmente lucro.
Como todos os episódios de Black Mirror, “Queda livre” faz uma crítica social forte sobre a nossa dependência da tecnologia e como ela pode afetar nossas vidas. O episódio mostra como a busca pela aprovação social pode nos levar a fazer coisas que não queremos, e como a tecnologia afeta diretamente os nossos comportamentos. Outros episódios mostram como a inteligência artificial pode ser uma ferramenta de controle emocional, e como isso pode ser um perigo para a nossa saúde mental, ou como a ciência tecnológica pode desenvolver novas formas de punição para criminosos, ou aplicativos de pareamento precisos que vão juntar casais perfeitos.
Ou seja, a série mostra várias possibilidades surreais e tenebrosas que a ciência tecnológica poderia promover. Vale a pena assistir tudo e tirar suas próprias conclusões.
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