A Forma da Água - Resenha

 Incapaz de perceber a sua forma, 

Eu encontro você ao meu redor. 

Sua presença enche meus olhos com o seu amor. 

Isso torna o meu coração modesto, 

Pois você está em todos os lugares.

  • A Forma da Água


A Forma da Água é um filme que vivifica a década de 60 nos figurinos e trilhas sonoras nostálgicas. Indicado a 13 estatuetas do Oscar 2018, a produção de Guilhermo Del Toro se desenrola na Guerra Fria, período de disputas ideológicas e de poder entre a Rússia e os Estados Unidos. Nesse cenário, a rotina de Elisa Esposito (Sally Hawkins), zeladora em um laboratório experimental secreto do governo, é apresentada como uma vida solitária, isso devido ao fato de ser muda. 

Quando criança, Elisa teve suas cordas vocais arrancadas e foi abandonada. Isso explica as cicatrizes em seu pescoço que ela tenta esconder com o cabelo curto. Apesar de não falar, a jovem escuta muito bem e demonstra estar sempre bem atenta a tudo que acontece à sua volta. Os dois únicos amigos de Elisa são Giles, um senhor homosexual que mora no apartamento ao lado, e Zelda, mulher negra que também é zeladora no laboratório secreto. 

Através de uma trilha nostálgica, mergulhamos na rotina da protagonista até nos sentirmos parte dela. Então, no que parecia ser mais um dia de trabalho, os cientistas e agentes federais se mostraram atônitos com uma recém descoberta. Vale ressaltar que, durante a Guerra Fria, Estados Unidos e Rússia estavam em uma disputa acirrada para desenvolver tecnologias que fossem capazes de levar o homem à lua.

Nesse dia, o agente policial Strickland surge no corredor com a mão sangrando e Elisa e Zelda são chamadas para limpar o local. Em uma sala típica de ficção científica, onde o céu parece o  limite e onde a imaginação vira realidade, Elisa se depara com um grande tanque cheio de água. Ao tentar espiar o que havia dentro, ela toma um susto e se espanta com o que vê: um ser confuso, com a anatomia de um homem, mas aspecto de peixe, ou talvez um anfíbio. A Forma, como os cientistas os chamam, foi encontrado no Brasil, nos rios da floresta Amazônica, onde era cultuado como deus por tribos indígenas.

Ao ser retirada da sala, Elisa se sente movida por uma curiosidade para olhar mais de perto aquela figura, o que a leva no dia seguinte à mesma sala. Ao entrar escondida, a fera, que nadava em seu tanque, se aproximou de Elisa que lhe ofereceu um ovo cozido. A partir de então, o horário de almoço da protagonista são dedicado a dividir ovos com seu amigo aquático. 

Como em toda boa trama, o agente Strickland se mostra o vilão da história. Sua intenção é usar a recém descoberta como uma arma mortal contra a Rússia. Como a Forma demonstra resistência em obedecer aos comandos dos militares, chegando a atacar outras vezes Strickland, o agente manda matar o homem-peixe para que possa ser estudado. O que Strickland não sabia era que Elisa tinha desenvolvido uma relação afetiva com a Forma, ensinando-o, inclusive, a linguagem de sinais para que pudesse se comunicar, apresentando-lhe suas músicas favoritas. Entre um encontro e outro, o cientista responsável por estudar e cuidar da execução do projeto, vigia a interação entre Elisa e a Forma, percebendo que ele reage a estímulos musicais, visuais, podendo se comunicar.

Nesse mesmo instante, os olhos do cientista parecem brilhar. Imediatamente ele sai da base secreta e vai para outro lugar também secreto. É aí que a grande reviravolta acontece! O cientista na verdade é um agente russo infiltrado na base militar americana para descobrir o que os Estados Unidos tem desenvolvido. O cientista informa ao seu superior russo sobre a Forma e que ele responde a estímulos, mostrando-se distante de ser um animal e mais próximo a um ser humano, mesmo que não fale.

Os russos, no entanto, parecem pouco interessados na forma.O cientista se vê, então, na obrigação de matá-lo. É aí quando Elisa descobre sobre a execução e planeja tirar o amigo do laboratório secreto. Ao convencer Giles e Zelda, o seu principal argumento de Elisa é de que durante toda sua vida ela se sentiu diferente das outras pessoas e mal compreendida por não falar e, agora que conheceu a Forma, sente que finalmente encontrou uma saída para sua vida monótona. 

Por não querer matar a forma, o cientista acaba ajudando o trio de amigos na fuga, dando, inclusive, produtos para que o PH da água da Forma fique balanceado. Entretanto há um aviso claro: a Forma está ficando cada vez mais fraca e só poderá recuperar suas forças quando estiver em muita água.

Depois da fuga, Elise vive momentos de amor intenso. Ao se relacionar com a Forma, seu coração aperta por saber que ele deve partir no dia chuvoso que se aproxima, pois só assim o rio estará cheio o suficiente. Nesse meio termo, Strickland descobre que a Forma está com Elisa e pretende matá-lo a todo custo.

Com a chegada da chuva, Elisa, a Forma e Giles seguem para o rio. Ao chegar lá, Strickland atira tanto na Forma como em Elisa. Quando o agente policial pensa que ganhou a ganhou a guerra, a Forma se levanta, se cura e mata Strickland. Ao ver Elisa no chão, a forma também a cura (sim, ele tem super-poderes!). Nesse instante, os dois pulam na água e o filme chega ao fim com a imagem dos dois abraçados no rio. As cicatrizes no pescoço de Elisa se transformam em brânquias tal qual as de um peixe com apenas um toque da Forma. Quando enfim ela consegue respirar embaixo da água, os dois se beijam ao som da trilha perfeita do filme. 

A Forma da Água vai muito além de um romance estilo A Bela e a Fera ou ao filme O Monstro da Lagoa Negra (1954), cujo diretor Guilhermo Del Toro se inspirou. Não. A Forma da Água é um filme de ficção científica que trata da inclusão de pessoas que vivem à margem da sociedade. Elisa, uma mulher muda, excluída da vida cotidiana. Zalda, uma mulher negra que durante o filme sofre racismo por Strickland. e Giles, homem gay que chega a ser expulso de uma lanchonete por sua sexualidade. 

Essa poesia audiovisual retrata como as pessoas da década de 60 eram tratadas quando não viviam segundo os padrões sociais estabelecidos. Elisa se identifica com a Forma porque ambos são tratados como “o outro”, o estranho que convém explorar até que lhe seja decretado o descarte ou, nesse caso, a morte. 


Relação do filme com a ciência

Com a temática voltada para a ficção científica fica claro a relação entre o filme e a ciência. Apesar disso, o conhecimento científico não é o único que pode ser identificado. Ao decorrer dos minutos, A Forma da Água verdadeiramente flui pelos diversos tipos de ciência nas quais se destacam as ciências políticas, as artes visuais e a ciência da linguística. A todo momento se vê algo a ser ensinado, como também a incessante busca pelo desconhecido.

Como a maior parte da história narrada é retratada em um laboratório, a todo momento podemos observar os personagens que em sua maioria são homens vestidos com jaleco, sempre a fazer anotações com diálogos centrados em campos da tecnologia/biologia. Eles têm como objeto de estudo uma criatura capturada no rio Amazônia, e que muito se assemelha a um humanoide com características fisiológicas de seres aquáticos, como guelras e escamações em sua pele. 

O objetivo dos cientistas é estudar a criatura, a utilizando como cobaia em testes na busca de entender sua biologia e usá-la como vantagem contra os russos. No decorrer das cenas, o Dr Hoffstetler pode identificar que, ao contrário do que pensavam os generais, a criatura possui sim inteligência, sendo capaz de entender e reproduzir a linguagem de sinais, o que tornava inviável sua dissecação, e é nestes pontos que se afirma a presença do conhecimento científico.

Devido a soberba humana e também aos preconceitos estruturais da sociedade, identificamos o conhecimento teólogo reproduzido através de falas racistas feitas pelo coronel Richard Strickland, onde o mesmo diz: “vocês podem achar que aquela criatura é humana, sustenta-se sobre duas pernas, mas, fomos criados à imagem de Deus, e Deus não pode se parecer com aquela coisa”. Na cena final do filme o coronel Strickland se contradiz ao ver que a criatura tem “poder” regenerativo e o dom da cura, onde o mesmo também diz: “você é Deus”.

Também pode-se identificar o senso comum através do preconceito xenofóbico que os eurocentristas e norte americanos têm com a américa do sul. Para eles, é como se fossemos apenas um bando de “povos” do mato, com costumes e cultura absurda, o que é normal de se pensar quando se é colonizador. Essa cena retratada no filme através de um documentário exibido em televisão.

Já o conhecimento tácito se vê através da linguística, onde todos os diálogos envolvendo a Elisa e/ou a criatura são feitos através de gestos, linguagem de sinais, música e até mesmo a dança. Portadora de afonia após um trauma sofrido ainda quando bebê, Elisa pode escutar e compreender, porém é incapaz de reproduzir fala. A criatura também consegue ouvir, mas por pertencer a outra espécie não se comunica verbalmente, apenas compreende o mundo humano através da leitura visual e gesticulações. 

No decorrer do filme, ao manter contato com a criatura Elisa conversa através da linguagem de sinais, a qual a criatura entende e imediatamente repete, mostrando sua capacidade intelectual e também indicando sua forma de contato com os povos nativos de sua região (indígenas da amazônia), e ao perceber tal inteligência ela aos poucos vai dialogando com ele através das artes: primeiro com a música, depois com a dança e, por último, através de uma relação afetiva.

A área de desenvolvimento de pesquisa identificado no filme é a Astronomia, ciência que estuda a composição e formação dos corpos celestes e os fenômenos que acontecem no universo. Nesse contexto, a corrida espacial estava pautada como um jogo de poder, então se estudava bastante sobre a possibilidade de chegar a lua. Além disso, também identificamos a Criptozoologia, o estudo de espécies animais hipotéticas ou avistadas por poucas pessoas, nesse caso, a Forma.

A problemática do filme pode ser desmembrada em duas partes. Para os russos e americanos, a questão central é justamente a disputa ideológica e de poder que irão alcançar com a corrida espacial. Para Eliza e Dimitri (Dr. Hoffstetler), o problema concentra-se em salvar a criatura da execução. Nesse caso, para Eliza, em especial, também está em jogo seus sentimentos.

Por fim, a metodologia utilizada no filme para entender a Forma não foi muito explorada, mas percebemos a busca dos cientistas em estudar o homem anfíbio estimulando-o fisicamente, muitas vezes, através de agressão. Entretanto, a metodologia que obteve sucesso foi a de Eliza que, através de alimentos, música, arte e dança conseguiu fazer com que ele se comunicasse com os humanos com língua de sinais.

Por fim, só quem assistiu A Forma da Água consegue entender a real dimensão do filme. É uma verdadeira obra de arte que passeia pelos diferentes campos do conhecimento.


Grupo: Ana Moura, Cícero Evertom e Laura da Silva.


Comentários

Postagens mais visitadas